sexta-feira, novembro 10, 2006

I've been searching...




"I'm not the one to tell this world
How to get along
I only know that peace will come
When all the hate is gone
I`ve been searching...for the dolphins in the sea
Sometimes I wonder do you ever think of me."
(Fred Neil - 'Dolphins')



Antes de 'Bob Dylan' receber o trono da cena Folk de 'New York', início dos anos 60, diga-se 'Greenwich Village', bairro em 'Manhattan', reduto de bares, clubes e artistas. Quando o 'Jazz' e o movimento 'Beat' cediam terreno para os cantores Folk em lugares como 'Café Flamenco', 'Café Bizarre', 'The Commons'... 'Café Wha?'... Havia um rapaz de seus 25 anos, com voz grave, forte, lembrando um 'Johny Cash' com 'Sinatra', tocando um violão de 12 cordas, chamado 'Fred Neil' que despontava no pedaço.

O próprio 'Dylan', em seu livro 'Crônicas', descreve bem o momento de sua chegada em 'NY', início de 1961, e o encontro com 'Fred':

"Quando cheguei, o inverno estava de matar. O 'Café Wha?' era um clube na 'MacDougal Street', no coração do 'Greenwich Village'. O lugar era uma caverna subterrânea, não servia bebida alcoólica, mal-iluminado, teto baixo, como um salão de jantar amplo com cadeiras e mesas - abria ao meio-dia, fechava às quatro da manhã. Alguém me disse para ir lá e procurar por um cantor chamado 'Freddy Neil', que comandava o show diurno do 'Wha?'. Encontrei o lugar e me disseram que 'Freddy' estava no porão, onde guardavam casacos e chapéus, e foi lá que o encontrei. 'Neil' era o mestre-de-cerimônias e maestro no comando de todos os artistas. Ele não poderia ter sido mais legal. Perguntou o que eu fazia, e eu respondi que cantava, tocava violão e harmônica. Ele pediu que eu tocasse alguma coisa. Cerca de um minuto depois, disse que eu podia tocar harmônica com ele durante seus números. Fiquei extasiado. Pelo menos era um lugar para sair do frio. Foi bom. 'Fred' tocava por cerca de vinte minutos e então apresentava todas as demais atrações, depois voltava para tocar sempre que ficava a fim, sempre que a casa estivesse lotada. 'Fred' tocava o quanto estivesse a fim, o quanto durasse a inspiração. Ele tinha fluência - vestido de um jeito conservador, emburrado e taciturno, com olhar enigmático, pele de pêssego, cabelo salpicado de cachos - e um barítono poderoso e irado que desferia notas tristes e as espatifava contra as vigas do teto com ou sem microfone. Era o imperador do lugar, tinha até o seu próprio harém, suas devotas. Ele era intocável. Tudo girava em torno dele. Anos depois, escreveu o sucesso "Every body's Talkin". Nunca toquei nada meu lá. Apenas acompanhei 'Neil' nas coisas dele, e foi como comecei a me apresentar regularmente em Nova York. 'Fred' sempre tentava dar espaço para a maioria dos artistas e era tão diplomático quanto possível. Às vezes a sala estava inexplicavelmente vazia, às vezes semivazia e então, de repente, sem nenhum motivo aparente, ficava inundada de pessoas, com filas do lado de fora. 'Fred' era o cara ali, a atração principal, e seu nome estava na marquise; desse modo, talvez um monte daquela gente fosse lá para vê-lo. Não sei. Ele tocava um violão bem grande, de um jeito impetuoso, com um monte de percussão, num ritmo penetrante - um homem-banda, uma cantoria que era um chute na cabeça. Fazia versões híbridas e ferozes de canções entoadas pelos prisioneiros nas penitenciárias e arrastava a platéia para o frenesi." ('Dylan')


Nascido em 'Ohio', mas criado em 'St. Petesburg', foi para 'New York' em 1957. Já no ano de 1961 o cantor 'Roy Orbison' grava uma de suas músicas, 'Candy Man' (lado B de 'Crying'); o mesmo fazendo 'Buddy Holly' com 'Come Back Baby'.

Seu primeiro trabalho foi em parceria com 'Vince Martin', e o disco 'Tear Down The Walls', em 64. Em 1965 lança, com as colaborações de 'John Sebastian' e 'Felix Papalardi', 'Bleecker & MacDougal', primeiro disco, realmente solo, que trazia, a primeira de algumas que seriam regravadas por inúmeros artistas, 'Other Side Of This Life' ('Jefferson Airplane' detém o título de versão insuperável (!?).

Em 1966 lança 'Fred Neil', segundo disco e mais conhecido como 'Everybody's Talkin'. Obra maior de um artista que tinha ciência do valor de suas composições, algumas delas profetizando a nova estrada que 'Neil' iria trilhar, como 'Dolphins' e a própria 'Everybody's' Talkin', que numa regravação brilhante do jovem 'Harry Nilsson', é trilha do filme 'Midnight Cowboy' em 69 e um sucesso fenomenal.

Sucesso esse que não parece interessar o enigmático 'Neil'. Em contra partida lança 'Sessions' em 67, um disco não tão acessivo, com explorações sonoras do blues à música indiana.

Em 1971 é a última aventura sonora de 'Fred', lançando 'Other Side Of This Life'. Parte do álbum é ao vivo e a outra com material não lançado, como o dueto para 'Ya Don't Miss Your Water', com o jovem 'Gram Parsons'.

"Everybody's talkin' at me
Can't hear a word they're sayin'
Only the echoes of my mind
People stoppin', starin'
I can't see their faces

Only the shadows of their eyes

Goin' where the sun keeps shinin'

In the pouring rain

Goin' where the weather suits my clothes

Banking off a northeast wind
Sailin' on a summer's breeze
Skipping over the ocean
Like a stone"
(Fred Neil - 'Everybody's Talkin')


'Fred' mostrou-se desinteressdo pelas entrevistas, tours e gravações e, seguindo a risca os dois dos maiores clássicos que escreveu, abandonou 'NY' e sua carreira para dedicar o resto de sua vida (conte-se 30 anos) a preservação dos Golfinhos, inclusive na criação do 'Projeto Dolphin'.

Muitos artistas tentaram gravar com 'Fred', o que ele sempre recusou. E nas raríssimas vezes que subiu aos palcos novamente, (em 75 com 'John Sebastian', 76 com 'Joni Mitchell' e 77 com 'Jackson Browne'), foi em eventos para a causa dos 'Golfinhos'. Inclusive todos os direitos da canção 'The Dolphins' (gravada por muitos e tendo as versões de 'Tim Buckley' - ao vivo/69 e em estúdio/73, definitivas...) foram doadas para a Organização.

'Fred Neil' morreu em 2001, aos 65 anos, causa natural.

Fred Neil -- Everybody's Talkin' (live)
Fred Neil -- Send Me Somebody To Love
Fred Neil -- DOLPHINS


Lembrar de 'Fred' é recordar uma de suas amigas, também cantora, como o faz 'Dylan' ainda em seu livro 'Crônicas':

"Minha cantora favorita do lugar era 'Karen Dalton'. Era uma intérprete de blues alta e magra, tocava violão e era esquisita, desengonçada e calorosa. Na verdade, eu já havia encontrado 'Karen' antes, topara com ela no verão anterior nos arredores de 'Denver', em uma cidade no desfiladeiro da montanha, em um clube de folk. 'Karen' tinha voz parecida com a de 'Billie Holiday', tocava violão como 'Jimmy Reed' e seguia em frente assim. Cantei com ela algumas vezes." (Dylan')

'Karen Dalton' (na foto ao lado de 'Dylan' e 'Fred Neil') veio, de 'Oklahoma', viver no bairro de 'Greenwich' no início dos anos 60 e se apresentava esporadicamente ao lado de seu marido 'Richard Tucker'. Sua voz peculiar, seu banjo e violão de 12 cordas chamava a atenção dos apreciadores do Folk.


Não foi uma compositora, mas sua maneira admirável de interpretar canções de 'John Sebastian, Paul Butterfield, Dino Valenti, Tim Hardin, Leadbelly', e o amigo 'Fred Neil', com um toque de blues, bem básico, rural, com uma atmosfera de Jazz, acrescentava (e diferenciava) um algo a mais ao seu estilo Folk. E que voz!!! Seu primeiro rebento, em 1969, o lindíssimo 'It's So Hard To Tell You Who's Going To Love You Best', foi promovido pela 'Capitol' como a resposta 'Folk' para 'Billie Holiday'. De certo é que a voz de 'Karen' lembra as vozes negras, entre 'Billie' e 'Nina Simone'. De certo é que, enquanto seu banjo e violão tendem para o 'Folk', sua voz escorre para o blues. Seu debut é poderoso, mesmo parecendo um ensaio (a maioria das gravções são do primeiro 'take') e não contar com nenhum aparato de estúdio.

O segundo trabalho de 'Karen', 'In My Own Time' gravado em 6 meses entre 70/71, mais elaborado e produzido, já mostrava a cantora enveredando pelo 'Soul' e 'Country'. Abrindo lindamente com 'Somethings On Your Mind' de 'Dino Valente', traz ainda uma versão para a clássica 'When A Man Loves A Woman' e a música que inpirou 'Nick Cave' a compor 'When I First Came To Town', do álbum 'Henry's Dream', 'Katie Cruel'. (O grupo 'The Band' já havia escrito uma canção para 'Karen', gravada no disco 'Basement Tapes', 'Katie's Been Gone').

Avessa a shows e estúdios, 'In My Own Time' foi o último brado da artista. Álbum esse que ganhou no início de Novembro sua versão em CD pelo selo, de nome mais propício, 'Light In The Attic' (Luz no Sótão).

"Karen Dalton" descobriu o álcool e as drogas desde cedo e sua total dependência não a permitiu lançar mais do que dois álbuns. Afastada do meio musical desde 1972, sucumbida em depressões, morreu por problemas relacionados a Aids, em 1993.

Entre nativos e adotados; 'Dylan', Joan Baez', 'Simon & Garfunkel', 'Tim Buckley', 'Richie Havens', 'Tim Hardim', a cena Folk de 'Greenwich' dos anos 60 ainda guarda nomes ocultos: 'Judy Henske', 'Dino Valente', e outros que foram além de qualquer cena, como a deusa 'Odetta', aquela que inspirou 'Joan', 'Joplin' e fez até 'Dylan' trocar guitarra por violão lá no início de tudo... Mas isso deixa pra outro dia. Melhor ouvir a 'Sweet Mother K.D.':

Karen Dalton - Katie Cruel

THE END