"Antes de qualquer definição ou de qualquer coisa que se possa dizer a respeito de Serge Gainsbourg, o que realmente deve ser dito é que ele foi a materialização de toda e qualquer improbabilidade.
Morou na casa de seus pais até perto dos 40 anos e em rede nacional de TV francesa assediou Whitney Houston.
Tímido. Serge Gainsbourg foi tímido e muito vaidoso, pois sabia que era artista completo, querido e venerado pelos grandes nomes de seu tempo. Filho de imigrantes judeus, cresceu na França ocupada pelos nazistas. Quando veio a desocupação, Gainsbourg decidiu moldar a nova liberdade de um jeito franco. Daí um personagem popular, mas nunca unânime.
Segundo a autora Sylvie Simmons, “um extrovertido tímido, um realista surreal, um iconoclasta que ansiava por tornar-se ele mesmo um ícone, um homem que podia beber com policiais num dia, assistir a filmes pornográficos com Dali no outro, fazer amor com algumas das atrizes mais belas do mundo (sem jamais deixar que elas o vissem nu) e morrer solitário em sua cama depois de uma vida inteira de auto-abuso absolutamente heróico, ou pelo menos incontestavelmente artístico”.
Serge Gainsbourg foi alguém que existiu e criou para acabar com paradigmas.
Como acontece com todo gênio, a intelligentsia gravitava em torno dele enquanto o grande público passava ao largo de sua motivação, o que o deixava deprimido a ponto de, por um bom tempo, ter pavor de fazer shows ao vivo e lidar com a rejeição da platéia. Comportamento teoricamente incompatível com o autor das mais belas canções, disputado por todas as cantoras da França — que queriam de Gainsbourg sua próxima música de sucesso.
O homem que se parecia com uma tartaruga elegante foi compositor, escritor, diretor de cinema, cantor, fotógrafo, intelectual, artista plástico, ator, bêbado, provocador e amante. Populista, fez de tudo. Por não dominar o inglês, não conquistou o mundo. Mas, convenhamos, se existe palavra inglesa que soa divina num sotaque francês ela é “Star”.
Com seus indefectíveis Gitanes sempre acesos, um copo de bebida que também o acompanhava o tempo todo, Serge sabia ser o sedutor e mostrar a quem quer que fosse que sua vida era o reflexo de sua arte e que sua arte era o que ele sempre desejou ser enquanto vivesse.
Foi ele que de forma cavalheira apresentou a chanson francesa ao pop. E fez com que o pop se encantasse com a nova amizade. Mostrou, com seus medos e sua ousadia, a face escondida do povo francês. O sempre sisudo francês e a sempre misteriosa francesa se apaixonaram por ele — às vezes não admitindo um amor por criação tão contundente.
Quando Gainsbourg morreu, em 1991, a França parou. “Todos conseguem lembrar o que estavam fazendo quando souberam da morte de Gainsbourg. Foi um grande choque, porque ele sempre esteve presente, era parte da nossa cultura. Sempre aparecia na TV, fazendo alguma coisa maluca”, disse Nicolas Godin, da banda Air. O obituário do jornal francês Libération disse que ele “bebeu cigarros demais”. Brigitte Bardot, com quem Serge teve um romance e gravou a primeira versão da clássica e até hoje polêmica “Je T’Aime, Moi Non Plus”, saiu de seu retiro para falar dele. François Mitterrand, então presidente da França, disse que “Gainsbourg elevou a canção ao nível da arte. Ele foi nosso Baudelaire, nosso Apollinaire”. Bandeiras, por toda a França, foram hasteadas a meio-pau. Multidões foram à porta de sua casa deixar garrafas de Pastis e maços de Gitanes em sua homenagem.
Como diz uma inscrição na parede da casa no número 5 da Rue de Verneuil, “Serge não morreu. Ele está no céu, trepando”.
Release do livro "Serge Gainsbourg : Um Punhado de Gitanes"
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MP3] Serge Gainsbourg & Jane Birkin/"Je T'aime... Moi Non Plus"